a história da costela - segundo um narrador...

A costela é uma invenção tão importante quanto o futebol para os Brasileiros, o chá das cinco para os ingleses e a filosofia para os gregos. O hábito de se deliciar com uma fina camada de carne nobre, encrustada em ossos e gordura, é além de um simples ato de cozinhar, é um refinamento artístico de alto nível. Atônitos somos quando ficamos babando com aquela gordurinha saliente que almeja os altos graus de civilidade que devoramos tal iguaria. Deveria até ter feriado. Certamente toda grande história tem um início, e não se dá na forma espontânea, e sim no desenvolvimento desigual e combinado das forças produtivas e churrasqueiras do planeta. Um jovem churrasqueiro, de nome Aderbal, resolve dar um passo além da carreira: vai fazer a sua primeira costela.

- Assim, eu sei fazer todas as carnes no churrasco, como picanha, maminha, fraldinha. Agora é fácil, por que é só fazer uma costela.
Sérgio, amigo de longa data, e voraz consumidor de iguarias churrasqueáveis, toma-lhe de supetão e faz difamosa pergunta:
- É a primeira costela que tu vai fazer? Não sou eu quem será vítima de tal fracasso.
- Xá comigo cara, não tem segredo, eu vi o meu tio fazendo, é simples.
- Não tá mentindo pra mim?
- Claro que não, é facinho!
Quando balbuciona "facinho", o desespero vem ao ambiente. O ar torna-se pesado, o medo de ter o paladar estragado para sempre faz com que todos na mesa, com exceção do churrasqueiro, fiquem na angústia paladar. Foi bom te conhecer, pensava as pessoas olhando para suas línguas, que poderia ser a última vez que saboreariam uma costela. Se é mal feita, pegariam nojo para sempre. Medo que se instala nos músculos que contraem e relaxam sem parar, nas unhas destroçadas pelo nervosismo, pior que jogo da seleção brasileira liderada pelo Parreira. Todos, sem sombra de dúvida, duvidando da eficácia da costela do Aderbal.
Passou uma meia hora, o churrasqueiro torneia a carne suculenta com uma camada bem generosa de sal grosso. Todos pensam: Será que não é de menos? Será que não é de mais? Por que os cientistas não fazem estudos de coisas que importam, como estudar a quantidade de NaCl na composição da costela? Cadê os orgãos competentes, como Fatma, Ibama, para proibirem costeleiros de primeira viagem, sem cursos de capacitação? Seremos vítimas do excesso ou da falta de sal.
Passa mais um momento, e vem o primeiro corte na carne. Os pensamentos se aglomeram na multidão: ai ai ai, será que já passou do ponto? Será que não deixou a carne seca demais? Sou exigente por que costela é algo que se come em comemorações especiais, e não nos finados do futebol brasileiro após uma eliminação. Ai, somos vítimas de um masoquista malvado e sem sentimentos...
Duas horas de ângústia, de sofrimento, de unhas roídas e lá vem os primeiros cantinhos de costela churrasqueada que iremos provar. Todos param na frente na primeira vítima que irá ter a coragem de comer a maldita costela da discórdia. Pensamentos a mil: Por que não escolhe o Thiaguinho, ele é tão jovem, nunca comeu costela e não terá problema dele não comer mais costela depois? POr que não é seu Ariovaldo, que pode comparar essa costela maldita com as melhores carnes que provou em sua longa vida? Por que não é uma mulher fresca e chata, assim para de reinar? O escolhido foi o Sérgio, amigo de longa data.
Para não perder a amizade, as pessoas fazem papéis de ridículo as vezes: tá bom, mas falta um pouquinho de sal. Tá bom, mas tu colocou sal de mais. Tá bom, mas a carne está um pouco dura. Sempre é esses detalhes além do tá bom que marcam o fracasso do churrasqueiro. Agora é a hora. A língua sente o caldinho de sangue da costela, tão quente que como se fosse tempero da carne. Os músculos dentários contraem e cortam os músculos da costela, da tão nobre costela. Mastigamento mais longo que o normal, para a justeza do momento. Todos olham, com medo. E sai o veredito:
- Tá bom, mas a segunda costela será muito melhor...