Era um sábado de manhã, 11:30 de um sábado de inverno, não frio de rachar, nem quente de torrar. Era um dia com clima especial, o mesmo clima que se deve ter para bebericar uma champagne francesa ou jogar bola. Os digníssimos camaradas resolveram jogar bola. Reuniram no Centro Desportivo Paula Ramos 14 bravos peladeiros que honravam escudos de seus times, no misto de fantasia e de realidade. E os dois escretes definiram seus posicionamentos:
- Ele vai pro gol, o Lidnei é bom na lateral, o Mauri é bom em roubar bolas, o Mateus não volta, deixa no ataque, o Fábio não sobe, e se sobe não volta, e o Luis faz bem a transição meio de campo, o box-to-box.
- Hein, que merda é essa de box-to-box, é aquela coisa que tua mulher fez pra ficar esticada?
- Não fala merda, vamos escolher aqui. O guri colorado é bom, vai jogar na lateral esquerda, o Lenoir fica na zaga.
Depois das habituais brincadeiras e mudanças de esquemas táticos do futebol de 11 adaptados ao futebol de 6, começa, no meio da desorganização, a partida. Uma partida de futebol envolve elementos culturais acima da civilização burguesa, como as faltas que são cedidas sem stress, os laterais que valem mais do que uma bola na mão, e os gols que são fabricados à escala industrial. O placar estava 2 a 0 em meros 10 minutos de jogo quando paramos no tempo para explicar a jogada do primeiro gol do Fábio:
- O Fábio estava desmarcado na lateral esquerda, fora de posicionamento.
- O Lidnei, franzino, pega a bola e domina livre.
- A marcação do time adversário deixa uma avenida Paulinho para ele flutuar livremente.
- O Lenoir fica parado, rindo em silêncio de suas histórias de pescador.
- O Goleiro Luis, que estava de improviso, observa atentamente a trama de Lidnei com a bola
- Ninguém dá bola para o Fábio - a natureza cuida.
- A zaga não dá combate.
- As laterais não dão combate.
- Fábio corre. Fábio correr é uma aversão à teoria do espaço-tempo de Einstein, que diz que os corpos de grande massa, em processo de explosão, seriam facilmente detectados pelos homens. Mas ninguem viu a sua subida.
- Poucos metros do gol, Lidnei percebe que um vulto de colete verde corre na direção contrária ao gol, com faro de gol jamais visto.
- A bonita jogada de Lidnei poderia render-lhe um gol histórico, uma placa. Mas vê o lutador Fábio, que nunca adquiriu o sabor de um gol saindo de sua perna direita. A cena é de cinema, no final do filme, ao invés do beijo da noiva, ou da morte do senhor do Mal, teve um momento que faz os homens refletir a condição humana. Lidnei passa a bola e justifica a alcunha do time pela solidariedade com os companheiros de time.
- Fábio, de gol aberto, o coração a mil, o cansaço a 2 mil, posiciona seu pé de apoio a poucos metros do gol e empurra a bola branca para o fundo da caixinha. A explosão do sentimento de alegria, pelo primeiro gol da carreira, faz Fábio comemorar o gol como se fosse uma criança que acabara de ganhar um playstation 2 no Natal. Ta-lá, no fundo da rede, pensava ele.
A felicidade foi tamanha que ele largou o jogo e foi preparar o churrasco.